Quem lucra com as mentiras sobre clima? A economia da desinformação e ação do Brasil rumo à COP30
E mais: Amazônia, COP30, BBC e a nova avenida da desinformação
Nas edições anteriores
#1 O pior pesadelo do presidente da COP é real
#2 'Indígenas da Shopee' e a desinformação climática
Muita gente chegou aqui nestes primeiros meses.
Que bom ter você com a gente
Não conseguimos pensar soluções para o que não conseguimos ver.
E é assim que funciona com o que venho (Thais aqui) chamando de cadeia produtiva de mentiras contra o clima - e pessoas, claro-, um ecossistema de DESinformação robusto, rentável e estratégico que AINDA não existe concretamente em lugar algum - sim, estamos trabalhando para isso acontecer, e se quiser falar com a gente é só mandar um Oii no direct!
Segundo a OIT, cadeias produtivas são um "conjunto de atividades interligadas que transformam matéria-prima em produtos ou serviços finais, incluindo desde a extração ou produção da matéria-prima até a distribuição e consumo."
A mentira contra o clima virou commodity e está moldando decisões globais, como já falamos aqui no Observatório da Integridade da Informação - Clima e Meio Ambiente. Precisamos, com urgência, e de forma coletiva, lançar luz sobre esse novo 'mercado-sistema, em que eu e você somos os consumidores, e discutir soluções.
Quem está ligado a essa cadeia produtiva de mentiras, lucrativa, que movimenta bilhões de dólares?
empresas de capital privado
os meios virtuais de transporte das mentiras - plataformas, apps
os atores, canais e grupos de mensageria - políticos (e bancadas), lideranças religiosas, influenciadores, empresários… sim, um ecossistema
as empresas, grupos e movimentos com interesses em jogo
a indústria de mídia e propaganda
O International Panel on the Information Environment (Ipie) acaba de lançar uma revisão de 300 estudos, publicados entre 2015 e 2025, confirmando o que a gente aqui fala há muito: “As conclusões indicam que atores poderosos — incluindo corporações, governos e partidos políticos — espalham intencionalmente narrativas imprecisas ou enganosas sobre as mudanças climáticas".
Além do lucro que movimenta esse ecossistema, há o impacto intersetorial das mentiras na geopolítica, nos governos, nas políticas públicas, na ciência, no jornalismo, na vida de pessoas e organizações - atacadas e ameaçadas -, nos negócios…
Você vai ver um caso real de mentira viralizando nas redes.
Siga com a gente e não perca o fio
Se estamos falando que a mentira impacta a soberania de um país, as soluções globais para o clima (em qualquer categoria, do urbanismo à transição energética), o direito de comunidades e de indivíduos, parece que precisamos, com urgência, avançar para uma nova discussão: sair da responsabilização do indivíduo para a responsabilização do sistema. Temos um momento na agenda: o Brasil, que lançou, no G20 e durante a COP do ano passado, uma iniciativa global de integridade da informação climática com Unesco e ONU, pode liderar um movimento mundial inédito rumo à COP30.
Durante o Summit Global que realizamos com parceiros no Brasil em março deste ano (abaixo), com mais de 150 pessoas em Brasília, o governo brasileiro se comprometeu a incluir a integridade da informação climática na agenda da COP.
Foto: Alex Amaral/FALA - estúdio de impacto
Esta semana, um passo importante foi dado.
É oficial: pela primeira vez na história, a integridade da informação climática entrou para a disputada agenda de Ação da COP.
Foto: Isabela Castilho | COP30 Brasil.
Chegou agora aqui e (ainda) não se inscreveu? Então aproveita
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ESTUDO DE CASO
No meio do caminho tinha uma estrada - e a BBC
O gráfico abaixo mostra os dados de março do nosso monitoramento mensal sobre as menções à COP30 na internet brasileira, feito em parceria com a unidade de pesquisa da CAAD usando o Brandwatch. Este pico no dia 13 de março foi provocado no Brasil por compartilhamentos de uma reportagem dos ingleses da BBC sobre uma avenida que está sendo construída no Pará, ligando as duas maiores cidades do estado, a capital Belém e Ananindeua.
Ao todo, encontramos 20 mil menções à COP30 acompanhadas dos termos “Rodovia” ou “Estrada”.
Um trecho da “Avenida Liberdade” está sendo aberto por dentro de uma unidade de conservação. O título da reportagem da BBC é devastador: “Floresta amazônica derrubada para construir estrada para cúpula do clima”.
Já adianto: o problema aqui não é exatamente a BBC — inclusive, temos leitores de lá… oi, BBCs, tudo bom?! ;) —, o problema é a cadeia produtiva da mentira, ardilosa, sorrateira. A imprensa é sempre alvo primário de desinformadores. Mas usar verdades para enganar também está no livrinho de táticas (a gente explica mais embaixo).
“Aqui no Brasil você não ouviu falar nada”, disse, em tom conspiratório, um yotuber em um dos vídeos mais vistos sobre a reportagem da BBC. “Mas lá no exterior está todo mundo comentando esse absurdo!”.
QUEM - ANCAPSU, canal do Ricardo Albuquerque Pinto, perfil citado algumas vezes pelo laboratório NetLab, da UFRJ, no relatório “Como o YouTube financia o negacionismo e o conspiracionismo climático e a desinformação sobre o RS?”.
SEGUIDORES - YouTube (708 mil) e X/Twitter (150 mil)
PUBLICAÇÃO - 13 de março de 2025
VIEWS - 98 mil
Vamos entender direitinho o que aconteceu?
Primeiro de tudo: o foco é em um trecho de uma rodovia que tem 13 km de distância e que está planejada desde 2012 (a própria BBC informa). No Rio de Janeiro, tem uma ponte maior que isso, a Rio-Niterói.
Não é pouco desmatamento, mas é nadica perto de outra informação que não foi citada e não fez nem cócegas no gráfico ali de cima: o estado do Pará é, segundo o Imazon, o recordista de desmatamento do país, numa sequência invicta que dura desde 2016. Só em 2024, foram (prepare-se) 1.260 km² de floresta amazônica devastada. Sabe a ponte Rio-Niterói? Pois essa outra área é o equivalente a… toda a cidade do Rio de Janeiro. Sim, isso mesmo.


Tá sacando já, né? Você é sagaz que eu sei.
Os que são contra a conferência do clima da ONU nunca vão citar os 1.260 km². Porque estes são provocados basicamente pelo agronegócio (mais de 90%, segundo o MapBiomas), para abrir pasto. Parte do agro patrocina a máquina de desinformação climática (Agência Pública). Justamente porque, segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), ele “responde por 74% de toda a poluição climática brasileira”. Sacou?
Usar a reportagem da BBC para atacar a COP30 é uma técnica de desinformação consagrada. A gente explica:
Cherry picking Também conhecido como “seleção tendenciosa”, consiste em "selecionar cuidadosamente os dados que parecem confirmar uma posição, ignorando outros dados que a contradizem".
Paltering Segundo a definição de Harvard que citamos no Guia (chique, né?), é “o uso deliberado de afirmações verdadeiras para influenciar as crenças de alguém, dando uma impressão falsa ou distorcida”.
Você encontra tudo no Guia de Referência sobre desinformação climática que a produzimos com a CAAD.🫢 OII?!
Parlamentares usam verba de gabinete para patrocinar anúncios pró-garimpo nas redes (com indícios de greenwashing). Erika Zordan na InfoAmazonia.
A 'COP do Agro’ foi cancelada, escreveu Fábio Zanini, na Folha. Que agro esse agro representa (ou não)?
🤩 Aquele Oii
GRANT
Para quem quer juntar esforços pela integridade da informação climática: a Unesco acaba de lançar uma chamada de projetos. Inscrições até 6 de julho de 2025.
SOLUÇÃO
Traduzir questões complexas é uma das nossas missões. Quando a gente encontra pessoas com essa habilidade, a gente celebra. Vale: os caminhos para responsabilizar as big techs que o Chico Brito traz na GAMA.
UNIVERSIDADE
Um dos profissionais que contribuíram no estudo do IPIE (lá na abertura) é Carlos Milani, coordenador do Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas. Eles acabam de lançar a série ‘Criando um Clima', com foco em negacionismo climático.
Oii joga luz na cadeia produtiva de mentiras porque ninguém consegue pensar soluções para o que não consegue ver.